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  • Sarah Monteiro

Sobre o que eu não entendo de mim

“Por que eu continuo repetindo, se é ruim para mim?”


Essa é uma frase que, como psicóloga clínica, já ouvi diversas vezes em atendimento. Por isso, hoje, achei importante vir aqui conversar com você sobre “o que eu não entendo de mim”. E trazer a pergunta que vale mais que prêmio da loteria:


⏤ Será que a terapia pode ajudar nisso?


Vamos fazer, inicialmente, um exercício: quais as primeiras coisas que você pensa quando pedem que você se apresente e fale um pouco de si? Geralmente, muitas coisas a cada apresentação se repetem, concorda? Seja sua profissão, um gosto mais importante por algo, uma maneira de se posicionar com o mundo, com a família…


É exatamente isso que se repete com alguma frequência que faz você conseguir dizer “eu sou isso”. Porque é algo que você faz muitas vezes; e você se reconhece na constância.


Nossas repetições – aquelas coisas que escolhemos fazer e dizer de modo mais ou menos semelhante todos os dias, as escolhas comuns que nos possibilitam alguma constância em vida – são, em parte, o que nos permitem escolher palavras para nos definirmos e, com essas definições, que normalmente orientam nossas condutas, assumir os lugares que exercemos nas nossas relações familiares, amorosas, com o mercado de trabalho, etc.


No entanto, somos mais que as palavras que escolhemos para nos definir! Assim como também somos mais do que os efeitos que elas produzem nas nossas relações. Somos mais não porque temos uma essência superior ou porque somos maiores que as palavras e as interações (já que somos, acima de tudo, linguagem e efeitos de linguagem) mas sim porque os resultados desse conjunto de interações produzem mais significados do que o que podemos resumir em palavras cotidianas.




Dessa maneira, talvez se explique melhor aquelas perguntas que sempre aparecem no meu consultório, no seu travesseiro antes de dormir ou após uma briga com algum ente querido, onde a questão da repetição aparece, e dessa vez com outra cara: “por que eu continuo fazendo isso, mesmo sabendo que é ruim para mim?” ou “por que as coisas sempre acabam assim, mesmo eu tomando caminhos diferentes?”.

Pois é! E aí, o que significa a repetição nas nossas vidas e na nossa saúde mental? Em parte, repetir condutas e ideias nos possibilita ter um “Eu” que podemos sustentar facilmente, usando características que nos formam e definem muito bem; porém, pode ter efeito reverso: que acontece quando essas repetições estão muito rígidas, podendo ficar incongruentes com outros sentimentos diferentes que estão em nós.


Fato comprovado é que o ser humano é múltiplo e está sempre mudando. Por isso, são muitas as vezes que uma dessas repetições se depara com algo que acabou de se transformar dentro de nós… Fazendo-a não mais cabível, não mais tão certa assim no contexto e no cenário que estamos vivendo no momento.


E que sofrido isso pode se tornar, hein? Falar algo, mas não se reconhecer no que diz; não falar, mas sempre sentir que deveria ter dito; não entender o por quê de ter puxado aquela briga sabendo que, no fundo e,naquele caso, o outro não tem culpa; o por quê de ter sentido medo de algo que não oferece perigo real…


Acredito que daí comecem a surgir os tais: “afinal de contas, quem sou eu? Se eu não queria fazer isso, por que fiz? Se sei o que é bom para mim, o que combina comigo, por que ajo de outra maneira?” .


Somos tudo que somos, mas também tudo o que não sabemos que somos. Somos o que ainda seremos; somos as palavras que ainda dirão a nós, somos as pessoas que ainda vamos conhecer e somos as pessoas que não lembramos de ter conhecido, antes mesmo da primeira lembrança visível que temos de nós. Somos as músicas que já ouvimos e também as que ainda escutaremos, e somos a junção nada simples disso tudo, nas milhares de combinações que tudo isso faz entre si.


O sofrimento, muitas vezes, vem da contradição de precisarmos de uma definição para conseguirmos viver nossas vidas, e ao mesmo tempo do fato de que essa definição, normalmente, não dá conta de tudo que é produzido de afeto em nós.

E como lidar com isso, afinal de contas?


A terapia não precisa almejar “resolver” essa incongruência e te ajudar a achar seu “verdadeiro eu”; até porque, você será sempre esse monte de coisas que ontem foi, hoje não é mais, ou não é bem assim, esse pedacinho disso aqui, aquele montão daquilo lá, uma grande mistura viva de afetos que não tem resultado final…


Talvez você descubra que não são seus sentimentos que te condenam à infelicidade, mas que também não são a resposta secreta para a felicidade contínua e consolidada, como se a felicidade fosse um tesouro, que está escondida em algum lugar específico e que basta achar. Aliás, ainda bem! Quase sempre, há infinitas novas chances de viver, e, com elas, invariavelmente virão tristezas também, para fazer a gente olhar para si, assim como alegrias, para conseguir trocar com o mundo. O que é a vida, senão essa constante troca? Esse ir e vir?


Não por coincidência, a terapia também é espaço de repetir; espaço de repetir, falar de novo e de novo aquilo lá que nos incomoda, espaço onde a contradição é bem-vinda, e a angústia que surge de perceber que se é mais que do que pode controlar com facilidade e expor cotidianamente é, na verdade, uma amiga muito bem-vinda. A angústia e a repetição, na terapia, trazem frutos, frutos de si, um espaço livre onde você pode ler notícias de si mesmo com mais tempo, com menos explicações para dar e mais perguntas para se fazer!

Dessa maneira, talvez a questão da psicoterapia venha a ser algo que pode, em processo, fazer ouvir essas outras palavras e significados que te acompanham e falam tão alto, mesmo você não sabendo de onde vem.


Mesmo quando não se sabe deles ou quando eles estão todos misturados com os outros, lhe confundindo. A terapia é o lugar de tranquilidade, porque lá você sabe que nesse processo nada tranquilo que é buscar se mexer e falar de si, até das partes que mais doem, está a resposta que você precisa, e que, quando você precisar mudar tudo de novo, essa mesma resposta estará sempre em você.


Talvez só precise de ajuda para caminhar por dentro desse labirinto de emoções e transformações que é você e sua mente! Quando as perguntas surgirem, quando a contradição for tamanha que não puder mais aguentar suportar… Não hesite em procurar ajuda de um dos profissionais da nossa equipe treinada e qualificada para lhe ajudar no seu processo terapêutico.


Sarah Monteiro – CRP-11/13453

Especialista em Oncologia e Pós-graduanda em Ensino de Ciências da Saúde

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